Análise pseudo-psicanalítico-superficial do feminino nas autárquicas em Lisboa



Aviso: isto não é uma análise política.

Segundo aviso: as opiniões aqui expressadas não se constituem como análises científicas sobre as pessoas visadas.

Terceiro aviso: não segui todos os pormenores da campanha, não li todos os programas eleitorais, não vi todas as entrevistas e muito menos todas as notícias nos jornais.

Ok. Com toda a gente avisada, posso então avançar.

Três mulheres candidatas à Câmara de Lisboa, minha terra, fizeram-me pensar nisto do feminino na sociedade, neste caso em forma de campanha eleitoral. O marketing é uma ciência interessante que descobriu que as mensagens que vendem são as que entram subliminarmente na mente dos consumidores. Lembram-se de quando o Don Draper se sai com o slogan "It's toasted" para vender tabaco? A frase não diz nada, porque não havia mensagem directa possível. Todo o tabaco era igual, todo era tostado, mas a campanha funcionou. Tal como a "marca" Don Draper também funcionava. Enfim, basta de Mad Men e vamos lá às mulheres.

A "Senhora Lisboa" não teve nada de senhora. Teresa Leal Coelho vestiu as calças dos rapazes do PSD e foi à luta como um homenzinho. Quis falar dos temas polémicos e enfiar dedos nas feridas. Trazida aos ombros pela máquina partidária, não foi mais do que um braço (com falta de músculo) do Pedro Passos Coelho. O seu slogan baralha-me. Senhora? Tratamos por senhora aquela que está distante, que exige formalidade. Seria a intenção uma reverência a algo maior? Ou ao suposto feminino da campanha desta Coelho? É que me parece que "senhora Lisboa" não apela nem a homens, nem a mulheres e muito menos a feministas.

Pois se é para falar de feminino, então a Assunção Cristas ganhou. Esta sim foi uma campanha mulher. A frase "nossa Lisboa" remete-nos para 'home', a mãe, o sentimento de pertença. Assunção diz com este slogan que ama Lisboa, é a sua casa, quer cuidar dela, porque é nossa. Ao mesmo tempo, de forma subtil mas eficaz, nos diz que temos de defender a nossa Lisboa daqueles que não são de cá - os outros. Interessante, não é? A mulher guerreira que defende o território e as suas crias, em penteado do cabeleireiro do bairro e maquilhagem impecável mas subtil.

Com um discurso em tom doce, calorosos cumprimentos aos adversários nos debates, aquele ar de mãe trabalhadora levemente sedutora, tão parecido com tantas mulheres de todos os dias, Assunção (ou quem lhe desenhou a campanha) foi muito muito inteligente. E os resultados vieram comprovar isso mesmo. Sem vestir calças, mas assumindo que o feminino tem muito de bom a oferecer ao mundo, Assunção não se pôs a lutar com os homens nem com as mulheres, mas a piscar-lhes o olho com um empadão no forno e a alça do soutien à espreita. Ok... perdoem-me o exagero, eu às vezes embarco assim na criação de imagens tontas, não, ela nunca mostrou alça nenhuma nem ofereceu empadão. Ao contrário de alguns candidatos a juntas de freguesia, que ofereceram chouriças durante a campanha ou porco assado depois da vitória. Talvez também esses candidatos tenham percebido que o materno é um poderoso angariador de votos e que alimentar o eleitorado pode ser levado à letra.

Já Joana Amaral Dias, de tanto querer sair da realidade que o destino lhe deu, grita e atira raios mortais dos olhos (perfeitamente delineados) a todos e a todas. Bonita, inteligente e articulada, Joana não veio ao mundo político para agradar a ninguém. Pois. Mas entregou-se ao mediatismo como veio ao mundo. Tanta exposição e tanta defensividade ao mesmo tempo também me baralha. É que nem consigo perceber o que ela quer ser, de tanto lhe sentir a raiva. Ouvi-la falar põe-me tensa. Fico num misto de "poupem-me a isto" e de "como será que ela vive?". Há uns tempos acho que sabia o que ela defendia, agora nem isso sei. Só sei dos meus músculos a contraírem-se e o desejo de que a tormenta (dela e minha) acabe depressa. Não é feminina nem masculina. Odeia tanto o mundo que acho inevitável que o povo sinta que se odeia a si mesma. 

O discurso que apela aos afectos positivos ganhou - o que apela às memórias boas da infância (sim, também as temos), ao colo da mãe, à protecção, ao cuidado, ao lugar a que pertencemos. O discurso enraivecido fez perder a mensagem e perdeu-se em percentagens mínimas de votos. O discurso masculino não fez virar a mesa de um jogo político que já se sabia perdido à partida. E isso leva-me a outra ideia: li por aí gente a dizer-se respeitadora de uma Teresa capaz de entregar o corpo às balas, pois, ao contrário de outra candidata que saltou fora antes de lhe cair a derrota em cima, encabeçou uma luta que todos sabiam que ia perder. Teriam escolhido um homem para esse papel? Teria um homem aceite esse lugar? Será afinal Teresa Leal Coelho a que nos merece a reverência por ter tido a coragem de enfrentar as urnas? 

Joana, na luta a ferro e fogo, enfraquece por tanto querer ser forte. Assunção, não combativa e doce, tirou daí a força que lhe deu o segundo lugar em Lisboa. Teresa, derrotada pelo seu próprio partido, mostrou cabeça erguida no sacrifício pelo (seu) colectivo.

Talvez a lição aqui seja realmente a do feminino: a vulnerabilidade não é para os fracos.

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