Fulfillment center


Imagem de Pedro Barateiro. Palmeiras Bravas/The Current Situation 

Deparei-me com estas obras de Pedro Barateiro no CCB e tiveram grande impacto em mim. Não sou de andar de telemóvel em riste a fotografar tudo, mas estas queria trazer comigo. Eram vários quadros, com o mesmo título e rabiscos diferentes. Na altura não pensei muito sobre porque estas obras me atraíram tanto. Nem quando resolvi utilizar esta imagem no meu site. Mas teria de chegar a hora, depois de sentir, para pensar e escrever.


fulfilment noun [U] (STH YOU DO)
C2 the ​fact of doing something that is ​necessary or something that someone has ​wanted or ​promised to do

fulfilment noun [U] (FEELING)

C2 a ​feeling of ​pleasure because you are getting what you ​want from ​life
http://dictionary.cambridge.org/dictionary/english/fulfilment

Este foi o significado que dei à palavra fulfillment. A ideia de um local, um centro onde se pudesse fulfimentar pareceu-me extraordinária, maravilhosa, trouxe-me um sorriso enorme. Mais ainda por estes centros serem representados em quadros de rabiscos, coisas que parecem por acabar, daquelas que podemos pensar que também nós poderíamos fazer, poderíamos ser artistas no fulfillment das nossas vidas. Qualquer um faz rabiscos, e os rabiscos têm esta energia que pede, quase exige, que alguém os complete, que lhes dê sentido, direcção, significado, tudo em aberto, só à espera do que aí vem, a maravilha do futuro incerto, um começo, a aventura, a soltura de rabiscar a vida.

Tão feliz estava eu com esta ideia. Mas fui ler o que dizia o curador da exposição, Pedro Lapa:

"Pedro Barateiro (...) promove uma aproximação do artista ao espectador, na medida em que, num quadro tardo-capitalista, este se resumiu a um consumidor e a sua perceção foi circunscrita ao binómio desejo e expectativa condicionado pelo mercado." 

Ah. Espera. Afinal... Ok, então o que será um fulfillment center?

"The location where incoming orders are received from affiliated stores or locations. These orders are processed and filled. These centers may also work independently of specific companies where orders are outsourced for the purpose of fulfilling customer orders."

Conflito cognitivo. E agora? Vejo uma imagem, dou-lhe um significado. O equívoco criativo que só a arte pode provocar de forma indubitavelmente boa levou a que Pedro Barateiro construísse uma mensagem e Maria João Valgôde recebesse outra. Deu-se a criação. Em duplo sentido. Mas e agora? Como encaixar as duas ideias? Terão ponte possível? Ok, deixem-me pensar.

Volto à ideia de paradoxo. A luta entre o ser e o ter. A realização pessoal feita pela aquisição de bens materiais, uma ideia de paraíso concretizada em armazéns gigantes de corredores gigantes de estantes intermináveis de caixas incontáveis de produtos produtos produtos, que se vendem e compram. E a realização pessoal feita pelo sonho, expectativa, avanços, experiências, falhanços e vitórias, realidades, novos sonhos, práticas, quotidianos e aquele bem-estar quando se chega a casa ou à almofada. Será este o binómio do século? Terá Pedro Barateiro acertado em cheio na representação artística deste binómio? Terá sido o binómio Pedro Barateiro / Maria João Valgôde que teve essa pontaria? 

Tudo por causa de uns quadros com rabiscos. Rabiscos e um título, só isso, que coisa tão simples. Maravilho-me com o simbolismo, com o poder da arte. Maravilho-me connosco, estranhos humanos. 



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