Cry if you want to

Imagem roubada do facebook da Melanie de Acantara Carreira

Olhei para esta imagem e pensei: a quantidade de gente que pede desculpa por chorar, sentada no sofá à minha frente, no meu consultório. É realmente estranho que uma pessoa vá a um psicólogo e depois peça desculpa por chorar. Estarão a pedir desculpa a mim? São habitualmente as mulheres que choram. A caixa de kleenexs em cima da mesa raramente é usada - tiram lenços das malas, como se um pudor as impedisse de usar os lenços do outro e os conspurcar com o seu corrimento nasal. Talvez o mesmo pudor as faça guardar os lenços sujos, não os deitam no caixote. Como quem guarda as suas dores. Talvez seja a dignidade se responsabilizar pelas suas dores. Ou o medo de as entregar a outro. Ou a vergonha de não as conter, estoicamente, como acham que seria suposto. O ranho feito humanidade meia suja, tão verdade que não se pode deixar por aí. 

Habitualmente, são as mães que procuram ajuda para os filhos, as que mais choram. Vêem-se obrigadas a falar de si, da sua história e das suas dificuldades enquanto mães e choram. Mas não querem apoio para si, por mais frágeis ou desesperadas que pareçam. Defendem-se como podem, guardam os lenços sujos, precisam de ajuda para os filhos. Que difícil é para uma mãe pedir a um estranho que dê a ajuda que ela não pode dar ao seu próprio filho. E depois vêm os filhos, crianças, adolescentes, e esses não choram. Nem os pais (homens). Mesmo os que sofrem as maiores violências emocionais. Portanto, numa generalização terrível (da qual padece todo este texto), ou se chora em vergonha e culpa, ou não se chora. 

Gostava que o meu consultório fosse aquela floresta ali em cima. Mas as florestas daquelas são sítios onde vamos sozinhos. É bom chorar sozinho. E se há algo que deverá ser comum a todos os consultórios de psicólogos, é que ninguém lá está sozinho. Não há julgamento ou condenação, mas seremos inevitavelmente espelho do choro de quem se senta no sofá. Quando me sento no cadeirão em frente ao sofá, quero ser árvore, escuridão e luz, que acolhe as lágrimas dos outros. Isso leva tempo a construir. E depois dessa construção, vem a que cada pessoa sentada no sofá tem de fazer - construir a sua própria floresta acolhedora, para que viva a vida fora do sofá com esse sentimento de acolhimento de si próprio, dos seus ranhos e sorrisos. 

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