Aldeia

"Les Vessenots à Auvers" de Vincent van Gogh


Precisamos de voltar à aldeia. 

Fiz um trabalho durante o mestrado sobre crianças com pais separados. Tanto a ciência como a sabedoria popular sabem como o divórcio é uma coisa má, principalmente para as crianças. Alguns até louvam os bons velhos tempos em que as famílias não se separavam, em que eram o pilar da sociedade, pilar tão ligado à igreja e à ditadura como à vontade das massas. A vida era assim. E pronto. Fim de história. Falamos mal das pessoas "de hoje em dia" que se separam por dá cá aquela palha, que não se esforçam para que as coisas resultem, dos jovens que só querem facilidades e prazeres imediatos, antigamente é que a vida era dura. 

E um dia, há uns anos, encontrei o oásis no deserto, em forma de artigo numa revista Cais, sobre como a família não só não está em crise como está melhor que nunca. Porque as "pessoas de hoje em dia" procuram realmente a felicidade, as relações genuínas. Separam-se, voltam a tentar, formam novas famílias, novos formatos, outras opções, assumem o que está mal, procuram melhor. Sem ilusões de contos de fadas, sem submissões a dogmas, com a enorme responsabilidade e dignidade de viver por fora a verdade de dentro. Nunca o amor foi tão claro - fico porque te amo. 

A liberdade traz muitos dilemas, a adultez das escolhas próprias sem um pai-regra que nos obriga, deixa-nos num campo aberto de possibilidades. Vamos aprendendo pelo caminho que poucas coisas são eternas, mas exactamente porque têm princípio meio e fim são tão importantes como a própria vida. A nossa única eternidade está nos filhos - o amor que nunca morre, a condição de mãe/pai que uma vez chegada entra-nos nos genes e não sai mais, o tempo que se prolonga para além da nossa morte, o nosso coração/sangue do lado de fora do nosso corpo. Os outros amores podem acabar, voltar, enterram-se, atormentam-se, enrolam-se, mudam, morrem, nascem, num turbilhão de verdades-agora. E é por isso que precisamos da aldeia - o sítio onde a mãe, o pai, o resto da família mais a família dos amigos, possam todos ser da criança e a criança deles, onde o encontro e a circulação façam parte da rotina dos dias, onde ao porto-seguro-casa seja acrescentado o porto-seguro-aldeia, maior mas ainda nosso, onde o padeiro tem nome e trata pelo nome, a rua é aventura com a dose certa de risco e protecção. 

As cidades são grandes demais. Os divórcios geram espaços gigantes entre aquilo que um dia foi uno e, que por ter sido uno (unido), criou. Nascemos da união. Mas precisamos da autonomização. Dançamos durante a vida entre estas duas ideias, de unido e separado, mais ainda quando há de facto uma separação no casal que gerou crianças. O espaço da aldeia seria atenuador desta dor de perder a ideia de união, perda temporária, até se refazer a vida e a rotina, se reafirmarem os laços que não se quebraram e reencontrar-se o equilíbrio. É utopia, bem sei. É ideia mal apalavrada, emprestada dos sábios de África - é preciso a aldeia inteira...

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