Tolerância

to·le·rân·ci·a

substantivo feminino
1. Condescendência ou indulgência para com aquilo que não se quer ou não se pode impedir.
2. Boa disposição dos que ouvem com paciência opiniões opostas às suas.
3. [Medicina] Faculdade ou aptidão que o organismo dos doentes apresenta para suportar certos medicamentos.


Tolerar, em português significa, e perdoem o tipo de português que usarei em seguida, ter de levar com as cenas que a gente não grama nem pintadas de ouro. Mas não podemos mudá-las, que era isso que a gente queria. Torná-las boas para nós. O que quer dizer que são más. Não podemos porque não conseguimos, ou porque fica mal. E ficar mal é mau também.


to·le·rar

verbo transitivo
1. Sofrer o que não deveríamos permitir ou o que não nos atrevemos a impedir.
2. Consentir; permitir; deixar passar.


Por isso deixamos passar as cenas com que temos de gramar. Os tolerantes somos nós todos, nas nossas impotenciazinhas diárias. Porque temos de ser bonzinhos. Porque somos bons, claro que somos, conheço pouca gente que diz que é má. E no extremo disto, somos tão bons tão bons, toleramos tanta coisa todos os dias, que um dia explodimos, sem tolerância ou bondade, para cima de quem estiver perto, com a violência que nos foi imposta nas tolerâncias que nos enfiaram pela garganta abaixo. 

Ok. Se calhar deixei-me levar um bocadinho ali em cima. Mas então, se esta coisa da tolerância é tão má, porque é que andamos todos a apregoá-la como a coisa mais basilar do mundo? 

Nada como ir aos originais das coisas. A Declaração de Princípios sobre a Tolerância, aprovada pela Conferência Geral da UNESCO em sua 28ª reunião em Paris, em 16 de novembro de 1995, define tolerância no seu artigo 1º: 

"1.1 Tolerance is respect, acceptance and appreciation of the rich diversity of our world's cultures, our forms of expression and ways of being human. (...) Tolerance is harmony in difference. (...)1.2 Tolerance is not concession, condescension or indulgence. Tolerance is, above all, an active attitude prompted by recognition of the universal human rights and fundamental freedoms of others. (...)" 

Talvez a palavra tolerance tenha uma conotação diferente de tolerância. Talvez tenha sido um mal menor, uma escolha difícil que acabou por transmitir, na nossa definição lusitana, quase o oposto do que as Nações Unidas queriam promover há 20 anos atrás. Aceitar a diferença é tão difícil que foi preciso decretar essa aceitação. Concordo que quem não consegue aceitar a diferença terá, no mínimo, de a tolerar. Mas não trabalho para a tolerância. Em psicoterapia não trabalhamos para que cada pessoa se tolere, a si e aos seus possíveis sintomas. Em educação, não trabalhamos para que alunos tolerem alunos diferentes. Em sociedade, não lutamos para que os diferentes grupos sociais se tolerem. Queremos, como diz a ONU, aceitação e respeito, mesmo por aquilo que não conhecemos tão bem como o que é nosso. Essa tolerence, eu defendo. 

Portanto, parece que terei de tolerar a palavra tolerância, para poder gritar por ela, mesmo sentindo o incómodo que ela me causa na sua definição portuguesa. Mas tolerar é também aceitar os defeitos dos outros. E a nossa língua, por mais magnífica e rica, não poderia ser perfeita. Amo-a ainda assim. Sou tolerante apesar de tudo. 



Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt

http://www.unesco.org/webworld/peace_library/UNESCO/HRIGHTS/124-129.HTM

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