"O mundo real está mais psicopático que o virtual"


Tela de Fernando Diniz, na mostra “Imagens do Inconsciente”, em Paris

Encontrei esta frase no facebook, num grupo de título Depressão, onde deprimidos brasileiros partilham os seus sentimentos, experiências, vitórias e dificuldades. Falava-se de largar o facebook, de viver a vida real. Esta mulher, maquilhada e enfeitada, com um enorme sorriso na foto de perfil e um "Freedom" na foto de capa, fala de como a medicação a deixa lenta e de como não consegue seguir com rapidez as conversas dos outros. Diz que no mundo virtual ainda consegue encontrar gente com quem conversar, mas no mundo real ninguém "está muito a fim" de dar atenção a alguém. É verdade que é próprio da depressão ver o mundo mais negro, mais negativo, enfatizar o que é mau e o que nos desliga dos outros. Mas aquela frase teve impacto em mim - "O mundo real está mais psicopático que o virtual."

Desde há anos que ando a contrapor quem se queixa que as pessoas já não comunicam porque andam sempre ao telefone (nessa altura) ou na internet (agora), dizendo que quem o faz está a comunicar com outras pessoas, apenas de forma diferente. Desde que os telemóveis entraram no nosso mundo as coisas mudaram muito, especialmente com a entrada dos smart phones. Estamos sempre ligados. Ou podemos estar. E é isso que é criticado - é que a ligação desliga as pessoas. Ou seja, escolhe-se o virtual sobre o real. Será que a brasileira sorridente deprimida descobriu o porquê?

Fui-me juntando a alguns grupos de facebook por motivos profissionais. E, de facto, o que vejo é um suporte social que tem uma função, a meu ver, importante. Vejo mais pessoas a pedir ajuda, a solicitar ideias, a desabafar, e pessoas a responder com abertura, empatia, suporte, do que aquele fenómeno das pessoas que só falam de coisas boas na internet, apresentando os bocados das suas vidas que as fazem parecer um mar de rosas. Talvez o fenómeno de estar atrás de um écran que permite comentários violentos, seja o mesmo que também permite às pessoas pedirem ajuda e mostrarem o seu lado mais vulnerável. E fazem-no num contexto muito específico: em grupos de pessoas que estão em situações semelhantes. Num grupo de mães, uma mãe desabafa que está a ter tantas dificuldades com a sua filha, que se sente muito mal, que "não nasceu para ser mãe". A quantidade de comentários de outras mães a dizerem que também sentem o mesmo, que há fases mais difíceis, que ninguém nasce ensinado, era infindável. Esta mãe desesperada dizia que as amigas não a apoiavam, e imaginava que elas nem queriam estar com ela por causa das birras da sua filha. Parece que o mundo real desta mãe está a ser mais "psicopático" que o mundo virtual que a acolhe, compreende, lhe dá suporte e envia mensagens de força.

Mas então será que já só somos capazes de ser empáticos virtualmente? Este último exemplo é interessante: uma das mães que comenta sugere à mãe desesperada que passe por sua casa num serão e veja o caos que é com os seus três filhos rapazes, para não se sentir tão mal. E oferece-se para ficar com a bebé birrenta uma noite para a mãe desesperada poder sair ou descansar. E reforça a sua oferta, está a falar a sério. A empatia salta do virtual para o real.

Penso que a chave disto tudo está no factor grupo de pessoas na mesma situação. No seguimento do mesmo post dos deprimidos, outra mulher diz que não pode desabafar com os seus amigos porque lhe dizem que põe toda a gente "para baixo". Mas ali, no meio de gente que percebe como ela se sente, pode. É a incompreensão dos outros que fecha as pessoas. É o isolamento que a mulher deprimida e a mãe desesperada sentem que as faz procurar apoio numa rede de desconhecidos que as entendem melhor que as pessoas que lhes são próximas. Além disso, há também um factor protector destes grupos: mesmo quando as coisas se complicam e há "discussões", há sempre quem venha em auxílio e defesa. De facto, nestes grupos, ninguém está sozinho.

O Dicionário de Psicologia da Verbo inclui na definição de psicose "(...) alienação; as relações do sujeito consigo mesmo, com os outros, com o mundo exterior, são falseadas; é-lhe impossível encarar o restabelecimento dessas relações. (...)" Estará o mundo a ficar psicótico? Ou estará a ficar um neurótico mais consciente da sua psicose? Encontrando vias alternativas de restabelecimento de ligações perdidas, de construção de relação?
Nada substitui o abraço real. Mas tudo isto, dá que pensar.

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