Boundaries II

Foto de Weather Witten


A polémica estalou quando o facebook censurou a publicação desta foto. Aparentemente houve reacções de choque. O que veio a seguir foram as reacções de apoio. Não contarei a história, que podem ler nos links, mas resumidamente, um pai tenta consolar o seu filho doente, com diarreia, vómitos e febre persistentes, e a mãe fotografa e publica no seu facebook. 


Reprodução The Barefoot Mum - foto de Kelli Banister

http://www.paisefilhos.com.br/pais/foto-e-desabafo-viralizam-ao-mostrar-um-dos-lados-dificeis-da-maternidade/


Um cenário semelhante, mas aqui uma mãe com a sua filha doente, a foto é tirada pelo filho de 5 anos e a mãe publica no seu facebook. A empresa não censura, os comentários são todos de apoio. 

Tanta coisa para reflectir...

A segunda ideia que tive fez-me lembrar de uma foto da minha infância. A foto foi tirada quando eu tinha talvez uns 4 anos (não consigo precisar), na praia, onde estava eu e um amigo de infância da mesma idade, filho de uns amigos dos meus pais. A particularidade da foto é que estávamos os dois nus. E lembrei-me dela porque, à medida que fui crescendo, a foto, pequenina, mas exposta na estante da sala, me trouxe um crescente sentimento de embaraço. Não havia facebook, nem internet.

Alguns dos comentários à foto deste pai, apoiando a ideia de que representa um momento terno da relação pai-filho, acrescentam que não optariam por publicar a imagem da criança. Este é um tema que divide muitas opiniões. Será direito dos pais publicarem na internet fotos dos seus filhos? Será este direito diferente quando as fotos mostram as crianças nuas? Será diferente quando mostram crianças em situações de vulnerabilidade como quando estão doentes? Será diferente quando mostram situações de intimidade? Com que idade a criança pode decidir sobre se quer a sua foto na internet?

O primeiro argumento que surgiu contra a publicação de fotos de crianças na internet foi o da segurança. As redes de pedofilia utilizariam estas fotos, principalmente se as crianças estivesses nuas. Mas pior que isso, poderiam incentivar o rapto de crianças quando as publicações forneciam informações. Este argumento pesou muito e alimentou medos. O que sabemos é que as situações de raptos são muito raras. No entanto, medimos os riscos não só em probabilidades, mas em gravidade das consequências. Um risco que pode trazer uma consequência devastadora, é habitualmente evitado.

Há então quem opte por publicar para grupos restritos. E aqui entram teorias que domino pouco - há quem defenda que tudo o que se põe na internet, ficará para sempre na internet, e por mais restrições de privacidade que existam, isso pode não impedir o acesso ao conteúdo que foi uploaded. 

Mas permanece uma outra questão, que foi a que me levou a lembrar da fotografia embaraçosa na estante dos meus pais. Quando eu era criança a foto não tinha maior impacto em mim que outras expostas da mesma forma. Foi quando a puberdade chegou que trouxe o sentimento de vergonha. E se os meus pais tivessem publicado essa foto na internet? 

O meu filho, agora com 9 anos, e pede-me para não mostrar algumas fotos dele a pessoas que não são da família próxima. Nada têm a ver com nudez, mas com brincadeiras que ele faz em casa (como uma vez que colou coisas na cara a fingir que eram uns óculos e uma barba). E isso fez-me pensar noutras publicações aparentemente tão inocentes como os desenhos que ele faz: lembramo-nos de perguntar se ele se importa de publicarmos isso para todas as pessoas no nosso facebook verem? E a minha filha de 5 anos? Para ela, ver uma foto sua no computador é uma alegria, não distinguindo a diferença da foto estar no meu disco rígido ou publicada. 

É um cliché dizer que a internet mudou o mundo. Acredito que a mudança maior vem do facto de que qualquer pessoa se pode tornar num autor (como eu neste blogue). Ninguém decide o que é mostrado, a não ser quem mostra. Não há uma política de comunicação. A regulação de conteúdos, como o exemplo das fotos acima mostra, é muitas vezes baseada em preconceitos e pode ser revertida se houver pressão social suficiente. O exibicionismo e o voyerismo (há uns anos considerados doenças, perversões da sexualidade) são tão acessíveis que parecem agora normais e não fazerem mal a ninguém. Cada um escolhe. Cada um define as fronteiras entre o que é público e o que é privado, e onde estão os limites das várias esferas do privado. 

Sem duvidar de que a grande maioria da população se preocupa com o bem estar e a segurança das crianças, e que os pais são os primeiros a proteger os seus filhos, como gerimos tudo isto? A cena típica dos filmes, em que a namorada conhece os pais do namorado e estes lhe mostram as fotos dele em criança, parece uma brincadeirinha nos tempos de hoje. Estaremos a ter bom senso? Até quando são os filhos "nossos", para decidir o que mostramos deles? Como lhes ensinamos a definir as suas próprias fronteiras?

Um bom meio termo, para mim, traduz-se em: estabelecer algumas regras básicas e segui-las (como por exemplo definir grupos para onde publicar conteúdos mais pessoais); pensar o que vai sentir quando vir aquela publicação daqui a 5 anos; pensar o que o seu filho irá sentir quando vir aquela publicação daqui a 5 ou 10 anos; decidir quando começar a envolver os seus filhos na decisão de publicação de conteúdos onde eles estão de alguma forma representados; ensinar regras e consequências da publicação de conteúdos quando os seus filhos começarem a utilizar as redes sociais de forma autónoma e acompanhar de perto os primeiros tempos. 

A parentalidade moderna tem desafios tão novos que ainda andamos todos a ver como é que isto se faz. Os extremos são habitualmente problemáticos. Não participar de todo na vida das redes sociais será perder oportunidades de contacto e de comunicação que, quer queiramos quer não, são parte integrante da vida ocidental de hoje. Expor "tudo" parece-me uma violência. Li hoje um artigo sobre um casal que publicou vídeos no youtube, diariamente, durante 7 anos, e que se separou, fazendo um último vídeo em que diz que a pressão se tornou enorme e que tinham de recuperar a sanidade. (https://www.youtube.com/watch?v=lp8ivblaKdE) Seremos capazes de deixar imperar o bom senso?

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