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Isto de ser psicóloga é mesmo muito interessante. Lidamos com o que há de mais humano nos outros e em nós, todos os dias. No entanto, somos estranhos. Vistos como estranhos. Talvez seja a mesma coisa. É bom estar com outros psicólogos, ver-nos como gente "normal", dá-me vontade de rir esta expressão, "gente normal". O meu pai costumava dizer que a escola nos ensina tanta coisa sobre tanta coisa e nada sobre as pessoas e o seu funcionamento psicológico. É verdade, sempre concordei que é uma falha, mas até hoje não sei como poderia ser colmatada.

No outro dia, tentava explicar a uns pais que o facto do seu filho estar atrasado na leitura e escrita e a sua imaturidade emocional estavam ligados, que a linguagem escrita é simbólica, que ele precisa de limites para criar fantasia e fantasia para criar símbolos. Às tantas chegámos ao ponto da conversa sobre ele dormir com a mãe (às vezes), e eu digo que ele deve saber que o lugar ao lado da mãe é do pai e não dele, que ele não pertence ali e que é essa "proibição" que o faz poder fantasiar sobre o que se passa entre a mãe e o pai. O pai percebe que a minha conversa roça o tema do complexo de édipo e pergunta "Mas isso não é verdade, pois não?". Também os adultos às vezes são demasiado literais - e voltamos a tentar explicar a não-literalidade, a fantasia, o símbolo, as estruturas psíquicas que se criam no conflito e na tensão emocional e na sua "resolução".

... e pronto, lá estou eu com uma conversa que só os psis entendem - não com aqueles pais (assim o espero!), mas aqui. Será a nossa linguagem assim tão hermética, que é como quem diz estranha? Será tão complexo assim falar de nós mesmos e da nossa natureza? Se sim, porque será assim? Dicotomizamo-nos entre a linguagem do "povo" e a dos psis, falta-nos a do meio. Falta? A linguagem é importante, as palavras, o discurso, as narrativas, alimentam o pensamento, não o traduzem apenas, dão-nos complexidade e profundidade, às vezes espanto e espelho. Os poetas e os contadores de histórias encontraram talvez esse meio.

Sabemos tão pouco sobre nós e no entanto vivemos em nós e com outros todos os dias. Somos realmente estranhos.

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