estranhasbrincadeiras II
Pedro and Rita, de Kerry Evans
O Halloween parece que chegou a
Portugal e veio para ficar. Os miúdos mascaram-se, há festas temáticas, o tema
surge em todo o lado. E o tema é a morte. Mas a morte brincada, não a real dos
funerais, mas a da fantasia, dos fantasmas e bruxas, da magia, da diversão.
Podemos divertir-nos à volta da morte? Parece que sim. Que ideia mais estranha.
Não é a morte o que todos tememos? Será o tema o medo? O que fazemos aos medos?
Um pai inventava histórias para o
seu filho antes dele adormecer, histórias com monstros. O filho pedia sempre
histórias mais assustadoras. O pai perguntava: como é que ele não tem
pesadelos? Porque os medos dos pesadelos estavam envoltos na segurança da
relação com o pai e na fantasia das histórias partilhadas. Porque brincavam.
Como os contos de fadas, cheios de violência, que sobrevivem aos tempos e ainda
se contam às crianças - o lobo mau, a rainha má, os feitiços, as mortes. As
crianças não costumam ter pesadelos com as histórias infantis. Atrevo-me a
dizer que os pesadelos das crianças são os medos sem história, sem narrativa,
sem adulto-contentor-seguro. Atrevo-me a dizer mais - os pesadelos são as
histórias que a mente cria, pois há coisas tão assustadoras que só as podemos
dizer (mesmo a nós próprios) através de uma história.
Então talvez faça sentido brincar
a morte, o desconhecido, o medo. Encarnar o fantasma que assusta os outros,
brincar às bruxas com poderes mágicos, vibrar com histórias de vampiros, ver
filmes de terror. Tourear a besta. Cutucar o monstro.
Diana, 15 anos, não conseguia
dormir no escuro, as luzes tinham de ficar acesas todas as noites. Por mais que
soubesse que na realidade nada lhe ia acontecer, a escuridão invadia-a com um
pânico que não conseguia controlar. O escuro trazia-lhe fantasias de que todos
iriam morrer à sua volta, que ela iria morrer também. Fantasias não ditas, não
pensadas, cristalizações da morte da avó-mãe que não pôde ser chorada e
amparada na altura devida.
Brinquemos então ao Halloween.
Celebremos o Dia dos Mortos. Paguemos para nos meterem medo. Enquanto dançamos
o tango com o diabo, ele não nos pode apanhar. E entretanto, entreguemo-nos às petit morts, gozemos o
presente, no impulso de vida que explode no orgasmo, na eterna criação, nos
novos nascimentos, um filho, uma ideia, uma acção. No estranho balançar entre
vida e morte, vamos sendo luz e sombra. Acarinhemos ambas. Em nós e nos outros.
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